Divinity surpreende com drama, viagem no tempo e política


Quando lemos ou tentamos contar uma história alguns temas são instigantes: viagem no tempo, perspectivas políticas, dramas existenciais, conflitos pessoais, etc. Entretanto, recorrentemente nos deparamos com a dificuldade de trabalhar esses temas de maneira razoável. Diversas vezes eles se transformam em verdadeiras armadilhas. Já perdi as contas de quantas séries, filmes e livros me decepcionaram nesse sentido. Felizmente Divinity é um ponto fora da curva.

Lançado primeiramente em 2015 no Estados Unidos pela Valiant, posteriormente em 2017 no Brasil pela Jambô. Divinity é roteirizado por Matt Kindt (The Valiant, Mind MGMT) e Ilustrado por Trevor Hairsine (X-Men: Gênese Mortal). A edição brasileira foi lançada em formato de encadernado com quatro histórias sobre a jornada de Abram Adams: cosmonauta da União Soviética que recebe a missão de desbravar e conquistar os limites do universo.


Antes de embarcar na missão de sua vida, Adams precisou vencer todos os desafios que encontrou. O primeiro foi ser órfão de pai e mãe. Nosso protagonista, deixado em frente a um orfanato, foi adotado pela mãe Rússia e desde então preparado para realizar uma das missões mais audaciosas da humanidade. O segundo foi abrir mão de sua individualidade e seus sonhos em prol do projeto da nação que o salvou.

Divinity se passa majoritariamente em dois momentos: O preparo da missão, o lançamento do cosmonauta em plena guerra fria, e os acontecimentos no presente, com a chegada de um ser com poderes semelhantes de um deus. Nesse sentido, o desencadeamento não linear do enredo, alinhado a um excelente trabalho do ilustrador, representando os temas graficamente, deixando pistas interessantes que você só vai entender ao chegar ao final da história, conduzem sua percepção  sobre a noção de História que o protagonista experimenta em sua jornada.

Os autores propõem um conceito de viagem no tempo diferenciado. Ao invés de considerar o tempo e o espaço como um rio que corre em uma única direção, pautada em uma noção objetiva do mundo, Divinity traz uma sobreposição de realidades, assim como um livro que se fecha, onde todas as páginas e  momentos estão unificados, aliado a uma perspectiva subjetiva. Inclusive, a narração presente no quadrinho acentua ainda mais os contornos sobre a percepção do tempo a partir do indivíduo.

O artifício de perceber a História de um ponto particular ajuda a trabalhar a discussão política que está presente na trama. A dicotomia entre Estados Unidos e União Soviética e suas respectivas visões de mundo está representada também nos conflitos dos personagens, muitas vezes em tons sutis e eficientes. Questões como: individualidade ou coletividade; objetividade ou subjetividade; razão ou sentimento; compaixão ou indiferença, engendram toda a obra.



A alegoria invertida de um homem deus como uma possível representação do estado totalitário é sedutora, pois nos oferece a possibilidade de conciliação de todas as contradições constituintes do indivíduo e da sociedade.  Nesse sentido, a oportunidade de retorno simbólico ao paraíso ocupa parte crucial na história. Qual o preço que se paga por termos todas as nossas angústias aplacadas e nossos desejos realizados?

“Você se doará para o Estado e o Estado será o que você é”
“Transformando personalidades solitárias e irritadas em coisas belas”

A experiência de ler o quadrinho é realmente provocativa. A sensação de lembrar e montar na cabeça o que o autor quer comunicar é instigante. Me deparei diversas vezes pensando sobre a história e seus personagens,  o quão perigoso e sedutor é a centralidade do poder.

Foto: Mega Hero

Pesquisando mais afundo sobre o universo da Valiant pude constatar que outros personagens de Divinity têm quadrinhos individuais. Aparentemente a Jambô tem planos de lançá-los no Brasil em breve. Evidentemente irei adquirir todos.

Ficha Técnica:
Título: Divinity
Editora: Jambô
Roteiro: Matt Kindt
Arte: Trevor Hairsine
Cores: David Baron
Capa: Jelena Kevic-Djurdjevic
Número de páginas: 112

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