Ordem Vermelha - Filhos da Degradação evidencia confito pela liberdade em um mundo fantástico imerso em segredos


"Após tanta dor e lamento, o mundo se reduziu a um deserto, e esse deserto recebeu o nome de Degradação. Sobrou apenas um único pedaço de terra habitável, aos pés do monte Ahtul, próximo aos Grandes Pântanos formados durante a guerra. No cume, os Deuses combatiam os últimos dos mesquinhos gigantes, que se revoltavam contra os castigos recebidos. Então, com as mãos repletas do sangue vermelho dos desobedientes, os Seis perceberam que tinham se tornado tão cruéis quanto aqueles que não honraram suas bênçãos. Assim, eles decidiram tornar-se algo novo, sem falhas. Assim, eles decidiram tornar-se um só. Assim, surgiu a deusa de seis faces, a deusa Una."

Neste mundo fantástico, contam as lendas que, no início, nada havia senão os Seis Deuses. Foram eles que criaram o mundo e as criaturas que serviriam de protetoras para as diferentes áreas que o compunham. A raça humana, que cobiçava as qualidades das outras criaturas, incitou guerras e a discórdia entre as diversas raças, fazendo com que os deuses as castigassem com pragas que possuíram o mundo com monstros, maldições e morte. A partir daí, os Seis perceberam que não mais poderiam governar com todo o mal que haviam causado, se unindo em algo novo, a deusa Una.

A deusa permitiu às criaturas sobreviventes que ocupassem as terras aos pés do monte Ahtul, formando-se ali uma cidade murada chamada Untherak, onde as criaturas conviveriam e adorariam a deusa. E é com essa premissa que a história de A Ordem Vermelha - Filhos da Degradação, uma obra de fantasia nacional pelo autor Felipe Castilho, se inicia.

A cidade de Untherak protege a vida da Degradação que se encontra fora dos muros. No seu seio, uma estátua gigante da deusa Una foi erguida para todos observar - Imagem: Reprodução Internet
Vivendo no coração de Untherak, o humano Aelian foi submetido desde sua infância ao regime de servidão que reina pela cidade, trabalhando no Poleiro. Sem muitas aspirações, o jovem cumpria os seis dias obrigatórios de trabalho impostos pelo regime da deusa, os suavizando com frequentes escapadas pelos telhados do Miolo - o centro de Untherak - ao lado do seu amigo falcão, Bicofino, podendo, ao final do sexto dia, aproveitar o Dia de Louvor jogando dados fora do Miolo.

A presença do regime de servidão é elemento presente ao longo de toda a obra. A restrição à liberdade dos protagonistas por Una e aqueles que a servem, principalmente as Autoridades, torna-se uma das principais causas dos eventos que vem a se desenrolar, sendo todo o detalhado e maquinado regime muito explorado na narrativa.

Aelian, ainda que infeliz com a situação em que se encontra, já se acostumou com a sua vida e acaba sendo levado ao longo dos acontecimentos por forças do destino e razões ainda não muito exploradas. Isso faz com que o personagem seja quase que um coadjuvante nesse primeiro momento da saga e até tomando escolhas de um coadjuvante, deixando claro que ele não é um herói, ou, pelo menos, ainda não despertou esse lado em si.

Raazi, Aelian e a deusa Una são personagens centrais da história de Felipe Castilho - Imagem: Reprodução Internet

Por outro lado, o mesmo não pode ser dito da kaorsh Raazi. Altivos e esguios, os kaorshs são uma raça humanoide que utiliza o próprio corpo para expressar a sua arte, sendo capazes de alterar seus tons de pele de maneiras inimagináveis. Raazi, que muito valoriza os seus costumes, se depara, juntamente a Yanisha, sua esposa, com um segredo capaz de abalar as estruturas de Untherak. Diante dessa descoberta, ambas resolvem agir e expor uma farsa que cobre a cidade, mesmo sobre o custo de suas próprias vidas.

Raazi é a verdadeira heroína da obra, sendo ela responsável, em diversos momentos, por pontos de virada na história e determinante para momentos chave. Não apenas nesse sentido, a kaorsh ainda torna-se líder em diversos momentos do grupo de protagonistas, que é formado ainda por um anão com motivações questionáveis, um sinfo - pequeno ser com aparência infantil que possui afinidade com a natureza -, uma assassina de aluguel e uma figura misteriosa com ainda mais segredos.

Juntos, esse grupo disforme precisa executar um plano inimaginável e enfrentar desafios que parecem inatingíveis. E são exatamente as qualidades únicas de cada um que os permite seguir em frente com as suas aspirações, sendo todos eles bem explorados, ainda que o foco da narrativa recaia sobre Aelian e Raazi.

O mundo fantástico da Ordem Vermelha é composto pelas mais variadas criaturas, assim como o grupo dos protagonistas - Imagem: Reprodução Internet

A construção da história, por sua vez, ocorre bem vagarosamente. Toda o primeiro ato serve para introduzir esse novo mundo e seus conceitos únicos. Até o Festival da Morte, evento no qual Raazi e Yanisha planejam executar o seu plano, há um desenvolvimento lento de acontecimentos, sendo o foco, principalmente, jogado sobre a estrutura da cidade de Untherak, assim como há alguns cortes entre o passado e o presente que podem desinteressar o leitor em prosseguir com a obra.

Ainda assim, essa ferramenta de utilizar diferentes linhas temporais acaba funcionando para explicar pontas soltas. Em verdade, Filhos da Degradação, em sua totalidade, faz um bom trabalho em explicar o seu universo para novos leitores. Questões que podem parecer confusas e até segredos que seriam revelados ao final de uma saga são explorados já nesse primeiro livro, dando um bom rumo a aqueles que buscam se envolver nessa fantasia.

O ritmo da narrativa também ganha nova face após o Festival da Morte. É a partir dele que os caminhos dos personagens passam a convergir e quando o autor passa a revelar alguns mistérios.

O vermelho foi proibido pela deusa Una, mas reaparece em diversos momentos ao longo da obra. Edição nacional do livro Ordem Vermelha - Filhos da Degradação pelo autor Felipe Castilho e impresso pela editora Intrínseca - Foto: Mega Hero

Uma questão interessante que surge logo no início da trama, cresce e é incorporada na história é o sentimento de "conspiração" que rodeia Untherak. Nada parece certo nesse sistema perfeito e a obra dá dicas ao leitor antes mesmo de explorar totalmente essas noções, fazendo com que a leitura seja, de certo modo, interativa em alguns momentos.

Há, de mesmo maneira, um ponto peculiar sobre o desenvolvimento de Raazi e Aelian. Enquanto a kaorsh é bem explorada e, ao final do primeiro livro, é colocada em uma posição que cria a dúvida "até onde ela crescerá?", o humano, por sua vez, acaba tendo uma mudança de sua determinação e cria a dúvida "quanto ele mudará?", considerando que o livro se encerra fechando muitas das portas então percorridas, mas abrindo ainda mais para futuros trabalhos.

Em um panorama geral, Felipe Castilho faz um bom trabalho em introduzir uma gama de personagens e culturas singulares, apresentando uma narrativa instigante, mas que, acima de tudo, faz com que a Ordem Vermelha - Filhos da Degradação traga boas promessas para o futuro da saga, com muito a ser explorado.

Ficha Técnica:
Título: Ordem Vermelha - Filhos da Degradação (Brasil, 2017)
Autor: Felipe Castilho
Editora: Intrínseca
Ilustração e Lettering da Capa: Rodrigo Bastos Didier
Número de páginas: 448

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