Jetman, 20 anos e muita história

Seriados da franquia Super Sentai – Super Esquadrões – são claramente voltados ao público infantil. Basicamente, as tramas envolvem um império (espacial, extradimensional, futurista ou o que for) ou grupo maligno que pretende conquistar a Terra. Também podem acabar com ela tentando, ora com planos de grande destruição em massa, ora com estratégias estúpidas, como transformar pessoas em abóboras. O foco das histórias está na ação e nos conflitos de personalidade, mas tudo muito ligeiro e recheado de ação e pirotecnias.


Matéria na integra feita pelo Sushi Pop... Atenção! Contém Spoilers

Tendo como principal objetivo serem vitrines de brinquedos colecionáveis, seriados Super Sentai raramente extrapolam o público infantil, atraindo a atenção de adolescentes ou mesmo adultos otaku. E aí, é importante fazer uma observação: quando eu falo de séries mais adultas, não tem nada a ver com violência ou malícia. Piadinhas maliciosas e violência sanguinolenta, comuns em muitas séries ditas infantis ou infanto juvenis japonesas não fazem uma produção ser adulta.

É triste quando vejo um fã dizendo que sua série favorita é “adulta” só por mostrar violência. Não tem coisa mais imatura do que buscar legitimidade em exploração gratuita de sexo e violência. Séries mais maduras mostram relacionamentos mais críveis, mais profundos, visões de mundo mais complexas e construção de personagens e situações evitando soluções felizes e simplistas. Quando seus produtores conseguem isso, séries ditas infantis viram tema de discussão entre fãs por anos a fio. E entre uma história para um adolescente em busca de autoafirmação e uma história para adultos, há uma distância intransponível. Lobo Solitário, Vagabond e Sanctuary são obras adultas. Ultraseven e Metalder são obras infantis com elementos para cativar audiências mais velhas. Como Jetman, o tema desta postagem.


Choujin Sentai Jetman (ou Esquadrão dos Homens-Pássaro Jetman), foi produzido pela Toei Company e exibido no Japão há exatos 20 anos (fev/ 1991~fev/ 92). É uma série infantil, mas com qualidades e diferentes níveis de entendimento para agradar a um adulto que gosta desse tipo de programa. Em grande parte escrito por Toshiki Inoue e dirigido por Keita Amemiya, a série chamou minha atenção numa época em que eu garimpava coisas interessantes pra ver nas estantes de uma locadora da colônia japonesa que havia perto de casa, muito antes da internet. Os motivos foram vários, conforme explico a seguir.


OS ELEMENTOS DIFERENCIADOS

Logo no início, o público já era apresentado a algo diferente. Cinco jovens foram selecionados para receber uma super-energia para se transformarem nos novos defensores da Terra contra ameaças globais. A premissa inicial é um enorme clichê, obviamente. Mas o grupo Vyram ataca, três dos guerreiros são mortos logo de cara, uma das garotas é sequestrada e sofre lavagem cerebral. Sobra apenas o noivo dela, Ryu (Red Hawk), que consegue escapar e vai atrás de quem pode ter sido atingido pelos feixes de energia que escaparam da destruição da base.

Uma colegial meio desmiolada chamada Ako Hayasaka (Blue Swallow), o pacato fazendeiro Raita Ooishi (Yellow Owl), a meiga Kaori Rokumeikan (White Swan) e um ex-criminoso meio barra pesada chamado Gai Yuuki (Black Condor) são encontrados por Ryu e acabam unindo forças como o esquadrão Jetman. A química entre eles vai se desenvolvendo de modo interessante. Ryu passa a série tentando despertar as memórias de sua namorada Rie, convertida por Vyram na vilã Maria. Kaori se apaixona por Ryu, mas é disputada por Gai. O bad boy, por sua vez, sempre entra em atrito com Ryu, tem dificuldade em seguir ordens, mas compensa sua rebeldia com muita coragem, iniciativa e uma profunda nobreza. E transmitindo ao grupo tranquilidade e orientação sempre que preciso, a Comandante Aya Odagiri, a única além de Ryu a ter origem militar.

Black Condor, o grande herói da saga
Ao final, Red Hawk não consegue salvar Rie, que morre nos braços do vilão Grey. Vencer a organização Vyram ganhou um gosto amargo no clímax da saga, mas não tanto quanto o que aconteceria depois das batalhas. Sabe aquelas mortes gratuitas e trágicas que acontecem na vida real? Pois é, teve isso em Jetman. No último capítulo, depois do inimigo vencido, Ryu e Kaori se casam. A caminho da igreja, Gai é esfaqueado na rua por um bandido. Cambaleante, chega até a praça em frente à igreja, onde conversa rapidamente com Ryu, ocultando o ferimento. Depois, sem ter seu estado notado pelos demais, ele finalmente tomba. O herói mais carismático da série morre depois da missão cumprida, quando tudo caminhava para um final  típico de novela, com uma cena de casamento, deixando o público atordoado.

AUDIÊNCIA E REPERCUSSÃO

Jetman teve boa audiência, com 7,1% em média, mas não está entre as maiores do gênero. Porém, foram as qualidades da série que lhe deram grande sobrevida, sendo lembrada até hoje com entusiasmo. Não se trata apenas de quebrar clichês gratuitamente. Os episódios mostram as motivações dos personagens como pessoas reais, com suas dúvidas e fraquezas e há muitas passagens marcantes, com as tramas individuais avançando com grande desenvoltura. Na época, a constatação de que havia um público otaku mais velho acompanhando permitiu a criação de alguns produtos diferenciados.

Três livros para público adulto foram lançados pelo selo Tokuma Quest Bunko (da editora Shogakukan), onde se permitiu até explorar a sexualidade dos personagens e ir a fundo nos relacionamentos. Os romances foram escritos por Toshiki Inoue, com capas ilustradas por Keita Amemiya. A canção tema da série vendeu mais de meio milhão de cópias e é um dos maiores hits da carreira do cantor Hironobu Kageyama até hoje. O design foi inspirado no antigo animê Gatchaman, grande sucesso da Tatsunoko Production. A criação geral foi coletiva, assinada como Saburo Yatsude (o pseudônimo da Toei Company) e o grande diferencial foi mesmo o trabalho do roteirista Toshiki Inoue, autor de 29 dos 51 episódios. Depois, em 1996, na extinta revista B-Club, houve um mangá de Akiko Fujii que deu continuidade às aventuras de Jetman, introduzindo um novo herói, o Green Eagle, para o lugar do falecido Black Condor. O mangá com a aventura derradeira de Jetman foi compilado em um único volume (tankobon) e é um caso isolado no gênero Super Sentai.

O roteirista Toshiki Inoue, atualmente com 52 anos, já assinou roteiros para Ranma ½, Hakaider, Death Note e muitos outros. Estava afastado do gênero Super Sentai, mas escreveu o episódio 28 da atual série Gokaiger (exibido no Japão em 4 de setembro) atraído pela oportunidade de trabalhar novamente com Toshihide Wakamatsu. O ator, por sua vez, trocou ideias com Inoue sobre como Black Condor iria aparecer, deixando claro ser contra ressuscitar o personagem. Com isso em mente, Inoue achou o tom certo para fazer Black Condor aparecer.

Black Condor em Gokaiger (2011)

ETERNAMENTE JETMAN 

Gokaiger, em exibição atualmente no Japão, conta a história de um grupo de piratas espaciais que vêm para a Terra em busca de um grande tesouro e encontram o planeta sendo atacado pelo Império Zangyak. Com o desaparecimento de todos os Super Sentai após uma grande guerra, os Gokaiger herdam seu legado e defendem a Terra. Com as Ranger Keys, eles podem se transformar em qualquer herói de equipes anteriores. Para invocar o poder supremo de Jetman, eles resolvem ir atrás dos integrantes do grupo, que passaram a levar uma vida normal. É aí que o fantasma de Gai aparece para proteger seus companheiros, querendo ser ele a fazer contato com os Gokaiger.

Com sua força de vontade, volta ao mundo dos vivos, onde somente é visto pelos alienígenas, para fazer o líder Capitão Marvelous (o Gokai Red) recuperar sua coragem para enfrentar um inimigo poderoso. O episódio é bastante coerente com o personagem e com a série original e tem momentos tocantes, nunca despencando para o dramalhão. Profundo e divertido, foi daqueles episódios de tokusatsu que conseguem agradar tanto as crianças que prestam mais atenção nas lutas (aliás, muito boas) quanto aos mais velhos, que apreciam uma boa trama. 

Foi uma homenagem digna ao trabalho feito em uma série que foi muito além de sua missão original, mostrando ser possível trabalhar um produto de qualidade em uma mídia basicamente infantil. 

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